NOCAUTE

Saturday 3 April 2010

PICCOLO ANARCHICO

Ao entrar no Piccolo, linha Vila Monumento-Praça da República, avisou ao motorista que iria pagar duas passagens, uma pra si e outra para a sacola que trazia desde a Rua 25 de Março. A inusitada decisão não abalou o condutor, que manifestou sua aprovação com um curto e grosso ‘o senhor é quem sabe’. Encostou o Bilhete Único uma vez, girou a catraca e, por cima desta, passou e encostou o desconjuntado volume ao lado do assento à direita, onde se acomodava uma senhora volumosa nas carnes mergulhada nas águas da Dieta do Mediterrâneo. Usou novamente o BU, transpôs a borboleta, tomou o volume com a mão direita e, com pedidos de licença, se dirigiu aos trancos e barrancos aos assentos do fundo do micro-ônibus, onde ocupou um vazio à janela, atrás da porta de saída, e acomodou as compras ao lado. Tranquila seguia a viagem, com os solavancos entre marchas e as freadas pra arrumação, quando subiu, pela porta traseira, uma velhinha com cara de encrenqueira decidida a se sentar onde estava o saco do homem. Este apelou para o direito adquirido com o pagamento, abonado pelo motorista, mas a vovó resolveu engrossar o caldo.

- Senhor, isto que está dizendo não existe.
- Claro que sim, pergunte ao motorista.
- Eu não vou perguntar coisa alguma, o senhor que ponha o saco no colo ou no chão e me deixe sentar aí, porque eu sou idosa e tenho meus direitos.
- Desculpe, mas os idosos têm assentos reservados por lei, como este aqui nada tem por escrito no vidro, meu saco vai continuar aí onde está.
- Tenho quase 80 anos e nunca ouvi dizer, nunca, que uma pessoa normal pagasse passagem extra para deixar um saco sentado como gente. É um absurdo.
- A senhora viu o tamanho do meu saco?
- Estou vendo, mesmo assim acho que não se justifica.
- Com todo respeito, senhora, minha opinião é diferente. Veja, a mocinha ali na frente, no assento pra pessoas na sua condição, levantou-se e está oferecendo o lugar. Pronto, está tudo resolvido.
- Eu não quero viajar ali, fica em cima do pneu e não gosto de sacolejar com os joelhos no queixo. Agradeço, mas prefiro o lugar do saco.
- A vovó é chegada numa encrenca, não?
- O senhor também, está na cara.
- Vamos fazer o seguinte: eu me levanto e a senhora ocupa o meu lugar.
- O senhor sai, põe o saco no seu banco e eu me sento no lugar do saco.
- Eu não acredito no que estou ouvindo!
- Faz diferença?
- Sim, dona, muita, e basta! Pergunte ao saco o que ele acha de trocar de lugar.
- Não seja grosso.
- Eu?
- Sim, o senhor mesmo.
- Ei, pessoal, essa é boa pra chuchu, a vó finura aqui...
- Sabe, moço, o senhor tem sorte, porque vou descer no próximo ponto.
- Ainda bem, vovó, porque, com a senhora, não há saco que aguente.

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