NOCAUTE

Tuesday 30 March 2010

INSULTENSÍLIO

Os japoneses criaram o ‘chindogu’, cuja tradução nos dá algo que mistura insólito com utensílio, digamos, um insultensílio. Criação do editor da revista Mail Order Life, Kenji Kawakami, que estudou engenharia aeronáutica na Universidade de Tokai, o insultensílio é, segundo seu criador, um troço libertário, anarquia pura saída das entranhas do espírito livre em luta contra o consumismo. Tão fantástico que uniu Kawakami e um editor norte-americano, Dan Papia, para escrever dois livros, o primeiro – 101 Invenções Japonesas Inúteis: a Arte do Chindogu – em 1995, antes do segundo, em 1999. Sucesso, pois ambos já venderam mais de 300 mil cópias só no Japão, além de receberem tradução para o espanhol, alemão, francês e chinês. Não sabemos por que tais obras não chegaram por aqui, embora há quem chute como motivo o fato de que nossas editoras ainda premiam os autores dos livros com 10% das vendas, algo que não encaixa o objeto na classe dos insultensílios, portanto...

Mas, originalmente, o que faz de uma criação humana um insultensílio? Imagine a invenção de um treco, cujas características habilitam o demiurgo a ser aceito no clube do cretinismo, e terá desvendado o mistério. Não consegue? Como? Está com medo de conceber e receber o merecido diploma? Acalme-se, tome meio copo d’água adoçado com rapadura mole, sente-se, acenda a luz e tente fixar o olhar no neurótico filamento amarelo da lâmpada pensando no nada. Você está brincando: na sua casa só existe lâmpada fria e branca? Vive, por acaso, numa morgue? Vou ajudar com um exemplo brotado da imaginação japonesa: uma caixa transparente para enfiar as mãos na hora de cortar as unhas, para evitar a dispersão das lascas em locais inapropriados. Viu como é fácil, agora é a sua vez. Nada de timidez, se Deus é brasileiro, o que lhe impede de ser um rei da sacação? Mais uma sugestão antes de partir pras cabeças? Um orelhão da Telefônica que funciona. Pronto, eis o máximo do insultensílio que consegui bolar, agora é a sua vez, camaradinha.

E foi assim que era uma vez um inventor brasileiro de insultensílios, uma espécie de Edgard Leuenroth das anarco-inutilidades. Dentre as coisas engendradas nos miolos desse gênio da raça alegre, ocupou o primeiro degrau um prato sem fundo pra orquestra, destinado a tratar piscisquicamente de pessoas que se assustam com a música de Bernard Herrmann no filme O Homem que Sabia Demais, de Hitchcock. No combate sem trégua ao consumismo, nas trincheiras profundas da luta, eis que depois nasceu o saco, a exemplo do prato, sem fundo, tecido em malha biodegradante. Funciona assim: a madame enche o carrinho até a borda, dirige-se ao caixa e, passado o último item, percebe quão útil é o saco ecológico-insustentável. Pede perdão e estorno à mocinha que a atende, e perdoa, encantada com a frase à la James Lovelock: minha consciência se nega a degradar o planeta. Por fim, a invenção das invenções: o veículo sem rodas, para o trânsito nas grandes cidades. Uma genuína obra-prima do desenho futurista a ser exibida na Bienal paulistana, no mesmo andar em foi exposto aquele homem nu, criado por Fernando Sabino, sob inspiração divina, do qual arrancou uma costela para criar Zélia Cardoso de Mello, um dos mais inacreditáveis insultensílios jamais imaginados por um ser racional em Chico City.

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