NOCAUTE

Monday 8 March 2010

KASSAB NÃO É UMA DONA DE CASA
‘Se ele soubesse o que é uma dona de casa, num domingo, não faria uma coisa como essa’. Com esta frase, colhida na feira da Rua Inglês de Souza, no Cambuci, às 11 horas deste 7 de março de 2010, dona Aracy Sales respondeu à minha solicitação de uma opinião sobre o término da feira livre paulistana ao meio dia e meia. Agradeci e fui em frente, recolhendo manifestações dos feirantes que ecoavam e caíam no asfalto quente como produtos de uma xepa do desespero: Vamos, gente, vamos, gente, o caminhão do Kassab já chegou! Baixou, baixou, na bacia só 1 real, leva freguesa antes que feche! Ai, ai, ai,ai , está chegando a hora, Kassab já vem chegando meu bem, eu tenho que ir embora. É isso aí, quem mandou votar nele! Ainda dá tempo, um por dois, três por cinco, agradeça ao Prefeito! É hora de encher a sacola, senhora, a pressa é amiga do preço bom! Vem, vem, vem que tem, pra mocinha e pro Kassab também! Estou quase indo embora, aproveita, minha senhora! A colheita foi farta e me permitiria distribuir, gratuitamente, bem mais do que as amostras aí expostas, mas, pra bom entendedor, meia cucurbitácea basta, ainda mais nesta segunda-feira em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.

Kassab tem agido, com determinação antidemocrática – ele é do DEM -, contra a feira livre como quem, no fundo, conserva um sentimento de profunda aversão às manifestações populares comezinhas. Uma das que fez história foi a que proibia os feirantes de apregoar seus produtos e preços. Lembra dela? Pois criou, nos primeiros momentos, situações constrangedoras para os vendedores e oras impedidos de usar, por imposição municipal, os criativos bordões que transformam as feiras livres em descontraídos momentos de fina mistura de consumo e lazer. Kassab fez surgir a figura do ‘feirante rebelde’, aquele que não aceitou o regulamento autoritário e continuou empregando os pulmões como antes na taba dos xavantes. Kassab criou a ‘feirante encabulada’, aquela que ousava dar um gritinho, enquanto girava o olhar com medo da ação do fiscal municipal das cordas vocais. Bom, a moda não pegou, o prefeito com certeza perdeu votos e ainda saiu contemplado com um comentário típico cambuciense: quem ele pensa que é, Jânio Quadros? Tempos depois, outra moda falida: Kassab resolveu retirar da feira livre as mesinhas e banquinhos de plástico, que cercam as barracas de pastel e caldo de cana, obrigando dona Linda a comer e beber em pé, indiferente às 80 e tantas primaveras que ela já atravessou.

Kassab não sabe, não conhece bem, como é gostoso gastar vintém, numa barraca de verduras ou bananas, poderia igualmente ter parodiado dona Aracy. Afinal, ninguém precisa se envelopar num vestidinho de malha para o verão, enfeitado com estampas de gatinhos sobre pufes, para apreciar uma feira livre. Há quem desconfie de que o atual prefeito paulistano teria enfrentado, na infância, alguma situação frustrante relacionada ao ‘popular happening’, como gente chique feito ele deve se referir à feira livre, jamais conseguindo se recuperar do trauma. Duvido. No momento, temo apenas pela sorte de um pássaro, o Peto, que frequenta a nossa feira como atração de uma das barracas. Peto passeia com desenvoltura nas traves da armação da cobertura de lona, vez em quando pula para o ombro do feirante e parece, com o bico, apontar à freguesia as melhores bacias de alho, cebola, limão... Peto é preto e, embora nada tenha a ver com o corvo de Poe, dia desses, quando lhe pedi para cantar e animar a feira, surpreendeu a todo mundo, falando, para espanto geral: ‘Kassab, nunca mais, Kassab, nunca mais, nunca mais!’

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