NOCAUTE

Tuesday 2 February 2010

TRATAMENTO NATURAL

Gostou do médico recomendado por uma tia e uma sobrinha que, uma vez por semana, com ele iam ao cinema. Retorno ao que interessa, ao médico, um sujeito à moda antiga. Cabelos? Desgrenhados feito uma touceira de capim-gordura, carente de pente matinal, planta que, se você não conhece, não faz diferença, desde que use a imaginação que possui. Bom, ao médico. Testa? Semelhante a uma caixinha de sabonete daquelas que o neto insiste em dar no aniversário pra vovó, que olha para a ninharia, a ser acrescida à coleção que possui no banheiro, e diz: nossa, querido, como você adivinhou que eu estava precisando? Olhos? Esquisitas jabuticabas, raquíticas, boiando dentro de uma armação retangular. Nariz? Puro sherlockiano, farejando as doenças como um perdigueiro querendo mostrar serviço. Boca? Três linhas finas que, distanciadas, exibem dentes descomunais, incompatíveis com o resto do desenho. Queixo? Um bumerangue sem retorno. Enfim, um especialista que inspira tanta confiança que o faz pensar: esse é dos bons. E era.

- Tire a roupa.
- Doutor, sou uma pessoa muito tímida.
- Está bem, apenas a calça e a cueca.
- Mas...
- Veio fazer uma consulta ou uma exibição dos seus recalques?
- Acontece que desconfio de que meu problema está na cabeça.
- Se assim é, pode vestir a roupa.
- Doutor, eu ainda não a tirei.
- Ótimo, não perderemos tempo. Quais os sintomas?
- Há noites em que não consigo dormir.
- Na cama?
- Exatamente.
- Já tentou rede?
- As paredes do meu apartamento são em ‘drywall’, não aguentam ganchos.
- Por que você não se muda para um mais antigo, sólido, ou uma casa construída no século passado. Em geral, mais baratos e confortáveis, são imóveis que, com uma boa reforma, ficam bacanas pra chuchu.
- Idéias a ser levadas em conta.
- Estas noites maldormidas, horríveis, suponho, coincidem com sua permanência diante da tevê por mais de 10 segundos?
- Eu não vejo televisão.
- Filmes de James Cameron ou Clint Eastwood?
- Jamais.
- Costuma ler jornais antes de tentar nanar?
- Às vezes, folheio alguma revista semanal.
- O problema talvez resida aí.
- Doutor, tais revistas só saem nos finais de semana, enquanto a minha insônia não obedece igual rotina. Entende?
- Perfeitamente.
- O que costuma ingerir antes de se dirigir ao leito?
- Tomo uma xícara de ‘chai masala’, com leite, 100% orgânico.
- Adoçado?
- Com cinco gotas.
- Prescritas por algum médico?
- Sempre achei que, para usar adoçante, a exemplo do açúcar, não houvesse necessidade de pagar consulta.
- Isto porque nunca se deu ao trabalho de ler o rótulo grudado na parede interna do recipiente, onde se encontra a exigência, entre outras coisas importantes. Algo mais, além do chazinho?
- Nada.
- Ao deitar, tem o hábito de ouvir algum tipo de programa jornalístico, futebolístico, religioso ou de música caipira no radinho de pilha?
- Nunca!
- Mesmo assim, não consegue dormir?
- Por isso, estou aqui.
- Dorme sozinho?
- Dormiria com Deus, se conseguisse..
- Tem medo de morrer nos braços de Morfeu?
- Nem em sonho.
- Bom, seu caso é grave, embora, estou convicto, passível de cura.
- Fico feliz, ao ouvi-lo, doutor. O medicamente é genérico?
- Alguém falou em remédio?
- Eu.
- Quando deveria permanecer calado.
- Perdão.
- Você sabe contar até quanto?
- Como?
- Tabuada, conhece?
- Ah! Sim.
- Casos como o seu eu resolvo prescrevendo carneirinhos. Ao deitar, o senhor vai contar até 1413 carneirinhos, 329 dos quais pretinhos, pulando uma cerca vermelha, de 80 centímetros de altura, a intervalos regulares de 4 segundos.
- Mas, isso é impossível! Doutor, não pode ser um animal maior?
- Qual a sua sugestão?
- Sei lá, baleias.
- 1413 baleias, pulando cerca? Você deve estar brincando.
- Tem razão, vai ver nem existem tantas nos mares.
- Bom, meu caro, chega: carneirinhos ou não me responsabilizo.
- Carneirinhos, capitulo.
- Muito bem, acerte com a secretária e marque o retorno para daqui a 30 dias.
- Só isso, doutor?
- Um momento, devolva-me a receita, para uma observação final: nada de carneirinhos clonados, o tratamento deve ser rigorosamente natural. Passe bem.

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