NOCAUTE

Wednesday 16 June 2010

TORCEDOR ESPECIALIZADO

Os primeiros jogos da Copa do Mundo 2010 de futebol foram tão chatos, ‘aburridos’, ‘boring’ quanto a cerimônia de abertura. Esta assemelhou-se a um espetáculo promovido em comum acordo com as grandes gravadoras de música, frustrando ao mundo a possibilidade de assistir a um evento original africano. Os embates em campo, por seu turno, até agora aferraram-se ao espírito burocrático, espécie de marca registrada no jogo de resultado, com suas táticas soníferas, orientadas por técnicos todo-poderosos. Mas, a constatação de que a deliciosa arte do futebol anda se arrastando não é motivo para desânimo. Questiona-se o avanço tecnológico que consertou uma lesão, em tempo recorde, e garante a participação do atacante marfinense Didier Drogba no Mundial. Discute-se a nova bola, a Jabulana criada pela FIFA, e as consequências da altitude e dos ventos sobre a trajetória dessa indomável senhora esférica. Reclama-se dos efeitos dos decibéis das vuvuzelas sobre o estado psicológico dos atletas. Louva-se a maravilha dos estádios em que são travados os jogos. Ludopédio mesmo, que é bom, necas.

E a coisa não para por aí. Nesta Copa, por exemplo, técnicos e respectivas indumentárias viraram atração. As câmeras abandonam o jogo para mostrar, com insistência mercadológica, um Maradona que veste terno, diz-se, em obediência aos desejos das filhas. Dunga enfia-se em um conjunto que parece talhado por um aprendiz de modista, que se atrapalhou ao escolher os botões apropriados ao casaco, enfeitado com zíperes militares, e a calça na cor de burro quando não sabe se fica ou foge. Enfim, foi-se o tempo em que se via um bonachão e vencedor Vicente Ítalo Feola, cochilando no banco, ser acordado pelo massagista Mário Américo para comemorar um gol espetacular da Canarinha.

A contrapartida de toda essa mixórdia, entretanto, tem seu lado positivo, uma vez que criou a figura do torcedor especializado. Ao contrário dos jornalistas especialistas, que se esforçam em convencer brasileiros e eiras de que a Seleção de Dunga poderia apresentar coisa diferente do que vem aprontando, nós que compomos parte do grupo de torcedores especializados sabemos que uma fria análise da história recente da participação dos escretes, seja do nosso verde-amarelo ou os de outros matizes, desmente tais expectativas. Sentamo-nos diante da televisão cientes do que não veremos, mesmo quando a primeira colocada, na tabela da FIFA, enfrenta a equipe que carrega a lanterna. Salva-nos a especialização. Atacamos com pipocas e amendoins, salgados e doces. Damos um chapéu no refrigerante sem açúcar. Sentimos a falta de meia, cerveja. na ligação com o ataque, aos petiscos. No intervalo, alguém pergunta à vovó se deseja algo mais e, saudosa, ela pede um Pelé quentinho. O ambiente fica um tanto carregado apenas quando a vovó levanta a mão direita e pede o cornetão que o neto costumava usar. Informada de que a peça agora se chama vuvuzela e ninguém faz idéia do paradeiro, ela, desconfiada, desabafa: ‘Pois saibam que ainda tenho pulmões e força para mostrar ao mundo o quanto essas peladas são desagradáveis’. Em seguida, troca o segundo tempo do jogo pelos arremates no tricô, dando, como especializada, uma aula de habilidade no ornamento.

0 comments:

Post a Comment

  © Blogger template The Professional Template II by Ourblogtemplates.com 2009

Back to TOP