NOCAUTE

Wednesday 2 June 2010

NERSOS DA VIDA

Véspera do feriado de Corpus Christi, a cidade de São Paulo mais parece um formigueiro, no dia de São José, com suas tanajuras humanas querendo bater asas, custe o que custar, presas a seus automóveis que não conseguem tirar do lugar. Circulo a pé no Cambuci, ameaçado por motociclistas que nada respeitam, buzinas e escapamentos em decibéis ensurdecedores, freadas de ônibus que esmagam nervos, e chego enfim ao Cartório na Rua Albuquerque Maranhão para providenciar uma cópia autenticada de minha identidade de jornalista. Um garoto me atende como se eu fosse culpado pelo seu penteado, à la Nerso da Capitinga, desaprova ‘in limine’ meu documento dividido em duas partes e se enfurna na caverna poeirenta da burocracia cartorial, em busca da confirmação superior para rejeitar com segurança o serviço. Retorna com aquele ar de reprovação que me faz pensar: tão jovem e já com tanta autoridade. Argumento que, exceto pela ação separatista promovida pelo tempo, a minha carteirinha está em perfeitas condições. Em vão. O jeito é voar, dali, direto à plastificadora que existe no Largo do Cambuci, que me cobra R$ 1,50 para deixar o documento novinho em folha. Na hora do almoço, retorno ao Cartório mas o danado do Nerso parece que está de regime. Que fazer?

Tomo o ônibus e vou ao 11º Tabelião na Domingos de Moraes para resolver o problema, que começa a ficar mais caro do que o esperado por causa da teimosia daquele Nerso. Desço na Vergueiro, no ponto da Caixa D’Agua, atravesso, na faixa de pedestre, a pista no sentido do bairro pro centro e espero o farol fechar para concluir a travessia. Ao meu lado, um guarda da CET lavra freneticamente, no talão, multas a partir de informações que parecem ter sido guardadas na memória. Vem o amarelo, o vermelho, os automóveis param e ponho o pé direito no asfalto, para chegar ao destino, quando a autoridade do trânsito me interpela.

- Calma, senhor.
- Como?
- O senhor não está vendo que aqui temos um corredor de motos?
- Claro que estou, porém, o semáforo está no vermelho e acho que elas, da mesma forma que os carros, também são obrigadas a frear, não?
- São, mas a vida nossa é mais importante que o farol vermelho.

Como alguém capaz de adivinhar pensamentos, o guarda me assustou, pois eu acabara de ler no ônibus as crônicas ‘A boca da verdade’, ‘Presença de espírito’ e ‘Orientação’, contidas n’A Dança dos Chimpanzés, do Pitigrilli. Agradeci, certifiquei-me da inexplicável ausência das motos e fui em frente. No 11º Cartório, a atendente passou a analisar minha carteirinha plastificada - mas eu a distraí.

- Quanto custa a xerox autenticada?
- Dois reais e noventa centavos.
- Jornalista não tem desconto?
- Essa é boa. Claro que não, o serviço é tabelado.

Depois do pingue-pongue, o alívio, com o lançamento da carteirinha dentro de um envelope de plástico transparente e a concomitante entrega da minha senha de número 38. Ainda tive vontade de dizer que ela estava mentindo, porque, no Cartório do Cambuci, cobra-se R$ 2,50 pelo mesmo expediente, mas a imagem do primeiro Nerso barrou-me a intrepidez. Paguei e me pirulitei, achando, precipitadamente, que me livrara dos Nersos, até passar o bilhete único e perceber que fora mais uma vez garfado em R$ 2,70 – tomara, na volta, o mesmo ônibus da ida.

0 comments:

Post a Comment

  © Blogger template The Professional Template II by Ourblogtemplates.com 2009

Back to TOP