NOCAUTE

Friday 14 May 2010

CARTEIRADA NA GLÓRIA

Na fria manhã de maio, embora já dominada pelo sol, deixei a Liberdade para trás e trafegava na Glória, no retorno ao frutífero Cambuci, quando o motorista de um ônibus, daqueles que fazem ponto final sobre o viaduto Mie Ken - Jardim Maria Luiza, COHAB-Educandário, Largo da Pólvora -, ligou o motor, fechou as portas, lascou primeira e arrancou para escapar da fila que lhe atravancava o destino. Sem a devida atenção, o descuidado não percebera a aproximação de um atarracado automóvel preto, que já ultrapassara o Posto Avançado de Conciliação Extraprocessual, da Associação Comercial de São Paulo, e buzinando mais que o Chacrinha avançava celeremente de encontro à lateral do coletivo. Sorte que o freio do ‘bus’ estava em boas condições e ele conseguiu evitar a colisão. Até aí morreu Neves, nesse episódio banal no trânsito paulistano, não fosse o ilustre condutor do Peugeot uma autoridade, daquelas que encaram esse tipo de deslize como um inaceitável desacato ao autoritarismo ambulante. Daí, o semáforo fechou e...

Animado, quiçá, pelos vapores emanados do belíssimo casarão, construído em 1833, que fica no número 410 da Rua da Glória e abriga o 1º Distrito Policial, o jovem babaquara sacou uma carteira visivelmente cheia de cartões de crédito e débito, dos convênios de saúde e odontológico, cédulas sambadas de real, uma foto da mamãe ao lado da namorada e outros corpos que, no momento, não consegui imaginar. Claro que, no meio desse venerado recheio, encontrava-se o porta-jóia de couro preto com a insígnia estrelada metálica, aquela que transforma o brasileiro em alguém. Para mostrar que a bronca era séria, nosso herói grudou o objeto na película escuríssima do vidro dianteiro, ali na região onde dorme o espelho retrovisor interno, decerto esquecido de que o agressor dificilmente conseguiria enxergar o pertence. Tanto que esboçou um sorriso, deixando o poderoso furioso ao ponto de ligar o pisca-alerta, abrir a porta do veículo, pular pro asfalto e correr, com o troço levantado acima da cabeça, até alcançar a janelinha da frente do Educandário, cuspindo xingamentos e ameaças contra o assustado funcionário da Viação Osasco. Farol verde, lá se foi o desrespeitoso, obrigando o distinto do dístico a correr de volta ao seu bólido e sair em perseguição, somente encerrada na esquina da Glória com Barão de Iguape, quando o ônibus entrou à direita em busca da Liberdade e nosso herói seguiu adiante, em plena Glória, ainda encontrando forças para colocar o braço esquerdo pra fora do carro e, indicador em riste, mostrar que as providências não tardariam.

Estacionei minha fubica na Zona Azul e caminhei até a Praça Almeida Júnior, parando inicialmente diante de uma escultura em pedra gravada em baixo relevo com os seguintes versos, traduzidos por Antonio Nojiri: Sobre a areia deitado/me comprazo em fugir de aplausos e elogios/a manhã inda é manhã/e a brisa que vem do mar acaricia meu rosto. Perto dali, onde um japonês pacientemente aguardava para continuar sua caminhada com lulus, interrompida por necessidades fisiológicas de um deles, evidentemente, descubro um totem em pedra, fincado na grama, em cujos lados está gravada, em japonês, inglês, espanhol e português, uma daquelas frases que perderam o sentido: Que a Paz prevaleça no Mundo.

0 comments:

Post a Comment

  © Blogger template The Professional Template II by Ourblogtemplates.com 2009

Back to TOP