NOCAUTE

Monday 10 May 2010

OVOS MEXIDOS

No box do mercado de hortifrutis Kinjo Yamato, ao lado do Mercado Central de São Paulo, aquele cujo piso é de paralelepípedos e tem cobertura, vinda da Escócia, tombada pelo patrimônio histórico, ali, o pernambucano Damião mexe nos ovos vermelhos, movimentando-os como se fossem peças em quebra-cabeças ou tabuleiros de xadrez. Dois pra lá, dois pra cá, ótimo. Este grande fica bem no lugar daquele raquítico acolá. Melhorou, embora nem sempre atinja a harmonia que convence os olhares da clientela exigente. As bandejas devem oferecer um conjunto equilibrado, nem tanto ao céu, nem tanto à terra, expondo uma distribuição perfeita entre pequenos, médios e grandes. Semeia, destes últimos, um em cada esquina que arremata as linhas dos limites dos campos onde descansam as 60 unidades. Nas áreas centrais, constrói quadriláteros de médios, com a sabedoria do manipulador que encaminha as atenções da periferia à gema. Na segunda fileira, a partir das fronteiras externas, acomoda, em linha com os ângulos, dois médios e dois grandes, que servem para agradar a freguesia atenta à formação originalmente planeada. Raramente acontecem surpresas, em razão dos cuidados que dedica à arrumação, porém...

Sábado último, por exemplo, distraído pelos gritos de alerta, contra o rapa na Cantareira, providenciados por um espião a serviço do proprietário de um carrinho de mão, lotado com perfumes de marcas mundialmente famosas e devidamente falsificadas, Damião descurou-se de suas obrigações. Mantinha um acanhado entre o indicador e o polegar, da mão direita, que lhe escapou e voou a se espatifar - miserável! - no chão de cimento. Por muito pouco não acertou o pé de uma chinesa que escolhia brancos no balcão da frente para compor uma dúzia. A queda, da altura aproximada de um metro, estilhaçou a casca mergulhando os fragmentos na langonha formada pela mistura de clara e gema. Munido de páginas de jornal velho, agachou-se e providenciou a limpeza, enquanto pensava na sorte de não haver perdido um avantajado. Finda a faxina, levantou-se, maldizendo as juntas, preencheu o espaço que fora do miúdo com um médio e perguntou ao cliente se apreciava o arranjo daquela forma. Perfeito, foi a resposta. Colocou a bandeja sobre as páginas abertas de jornal, embrulhou, passou a fita plástica em cruz, deu um nó cego e acomodou o pacote num saco plástico. O cliente puxou uma cédula de dez reais e a esticou na direção de Damião, que orientou o pagamento ao seu irmão em pé, ao lado da gaveta registradora, no fundo da loja. Virou conversa.

- Seu irmão, é, como se chama?
- Claves.
- Clóvis, né, Damião?
- Claves, mesmo, Clóvis é o outro. Éramos em cinco, morreu um, viramos quatro.
- Claves, um nome muito original.

Cumprimentou o Claves, recebeu deste um real de troco, garfou, com o indicador e o maior de todos, o pacote pelas alças do saco plástico e se despediu dos irmãos, com uma enorme vontade de perguntar sobre a graça do quarto irmão. Conteve-se e se foi, chacoalhando, com o vaivém do braço, os ovos.

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