NOCAUTE

Monday 23 August 2010

A PESCA AOS PEIXES-LETRAS

Sutil como um rinoceronte no palco, assustado com a plateia, a capa daquela revista, cujo nome nem deve ser pronunciado, mas encontrava-se em destacada exposição nas bancas para que qualquer mortal a visse, semana passada, enfim, como ia mencionando ao ser mal educadamente por mim mesmo obstruído, a capa fez campanha para o candidato José Serra, do PSDB do FHC, e Marina Silva, a Verde, apelando para um tipo de humor que não possui. Destrincho, começando pelo título – A pesca dos indecisos - que revela descuidos imperdoáveis a uma publicação que se arvora em representante da elite bem deformada, digo, informada. Como sou levado a crer que a última Reforma Ortográfica não tornou facultativo o uso da crase, só encontro explicação para sua ausência no fato de que o posicionamento do acento tende pra esquerda, em inclinação que conflita frontalmente com a linha editorial da hebdomadária, ostensivamente puxada para a direita. 

Porém, e sempre há um segundo o Plínio Marcos, releve-se tal interpretação, maldosa como piada contra sogra, centrando fogo no uso da combinação da preposição ‘de’ com o artigo ‘o’, quando lá deveria estar a preposição ‘a’ no lugar daquela outra, de modo a fornecer aos três atores em cena a justificativa para o lançamento dos seus anzóis sobre as letras garrafais que formam a frase que representa a massa que ainda não sabe qual das iscas abocanhar, antes de ir pro puçá, digo, urna. E, para encerrar esse capítulo explicitamente linguístico, ressalta-se a linguagem machista utilizada, própria de clube de pescadores que exclui, à ala feminina, a graça da piada, como se não existisse maneira de reunir pregos e arruelas no mesmo balaio. Mas, como prosaicamente sói acontecer, os reis da maça continuam firmes em não abrir mão de sua linguagem concebida na caverna pré-histórica. 

Agora, em relação ao desenho inanimado, o que é que há, velhinho? ou, na mais pura subserviência em moda, what’s up, doc? A doce mensagem encomendada ao artista de plantão traz as três figuras candidatas com supostas chances de subir a famosa rampa e governar o reino durante quatro anos. Dilma Rousseff aparece, à esquerda, dependurada no seu anzol, vestidinha em vermelho – aquele sapatinho é de tirar o chapéu – com olhos disparatadamente deformados, retratados como pratos ovais à espera do banquete cuja ‘pièce de résistance’ só poderia ser calamares ‘en su tinta’. Olhos? Aparentemente inspirados nos de uma lula-colossal, aquela que possui os maiores do reino animal. Cabelos? Como alguém que se encontra, não em uma pescaria, mas despencando no interior do elevador mal-assombrado da Disneylândia, um susto e tanto. Peixe-letra? Coitada, não consegue pegar unzinho sequer. 

No centro, meio de perfil, planta-se José Serra com aquele jeito inocente e desprendido de quem se dedica ao bem dos pobres e oprimidos como um frade dominicano. Em campanha que parece dizer aos brasileiros e eiras que, tendo saúde, a população nem precisa se alimentar, o candidato Serra pesca metido num terninho escuro, enfeitado por uma gravatinha vermelha – alguma coisa ele há de conservar do seu passado de lutas - e consegue fisgar um peixe-letra, o ‘c’ – classe? - dos indecisos. Serra ainda estica a mão direita, dispensando o anzol, para capturar um ‘i’. À direita, Marina, metida em seu ‘tailleur’ verdinho como um cipreste natalino. Uma doçura morena de olhos fechadinhos, possivelmente sonhando com outros peixes-letras além do ‘o’ já arrepanhado entre os indecisos que Serra ainda não conseguiu.


Uma capa à direita que se arvora em uma sacada e tanto, mas que não vai além do repetitivo trivial, no intuito mostrar uma bobagem ao milhão e pouco de cabeças já feitas, que a recebem como assinantes, e àquelas que compram, semanalmente, como uma espécie de reforço pavloviano à pugna contra o inelutável, afinal, Dilma parece que tem conseguido pescar mais peixes-letras que os dois juntos.

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