PAULISTANACIDADE

Friday 28 November 2008

POSTES NAS NUVENS

Quarta-feira, dia 10 de março de 2010, 10 e 30 da manhã, calor de rachar moleira de beduíno dentro do micro-ônibus itinerário Vila Monumento-República. Na Conselheiro Furtado, o trânsito está congestionado por causa de um exercício de simulação de incêndio no quartel dos bombeiros, na Praça Clóvis. No Piccolo, cuja lotação é estipulada para 25 pessoas sentadas e 11 em pé, poucos passageiros e eiras esticam e giram pescoços, sobre os quais há cabeças com olhos e bocas que indagam ao vento mudo os motivos, ainda desconhecidos, do nó. No segundo ponto, o motorista abre a porta e sobe um japonês que fala mais que locutor do jóquei.- Bom dia, motorista, eu vou sentar aqui na frente porque não estou vendo nada, só uma nuvem branca na minha frente. Fiquei desde às 5 da manhã na Tabatinguera, pingando colírio de 2 em 2 horas, exame de glaucoma, sabe? Havia umas 10 pessoas.

Depois, entramos numa sala escura e ficou todo mundo feito gato, olhos brilhando na escuridão, sabe? Só vejo uma nuvem branca, sabe?
- Sei.
- Aceita um biscoito integral?
- Não, obrigado.
- E a senhora? – ele se dirige à mulher que ocupa o assento atrás do motorista que carrega um bebê loirinho no colo e, educadamente, também recusa a bolacha do pacote aberto que ele aponta na direção da criança.
- Sabe, senhora, quem tem um não tem nenhum – a senhora faz uma cara de indignação e ele tem consertar a frase.
- Sabe, senhora, essa é a melhor idade. Sabe, quem tem três também não tem nenhum. Eu sou viúvo há 3 anos e tenho três, uma de 16, um de 18 e outro de 21. Meu irmão tem 4 filhas, mulheres, sabe como é, toda semana tem churrasco na casa dele, os namorados levam a carne. Meu caso é um pouco diferente, sabe?
- Entendo.
- E esse trânsito, motorista, por que será? Eu me lembro de quando as coisas eram diferentes. Eu tinha uma moto, sabe?
- Sei.
- Aquela de tanque redondo, 7 Galo. Uma vez atropelei um cavalo na Dutra, perto de Arujá. Ao ver que não tinha jeito, acelerei e a moto entrou dentro da barriga do bicho, quase morri. Se fosse de carro teria capotado e, quem sabe, ido, porque o cavalo entra com tudo pra dentro e é um inferno, sabe?
- Sei.
- Noutra ocasião, peguei um cachorro na Imigrantes, não tive como escapar com minha 7 Galo, caí e me machuquei bastante, sabe?
- Sei.
- Motorista, mais de 20 minutos e não andamos nem 500 metros, acho que vou descer e tentar ir a pé mesmo no meio da nuvem. Vou ali na praça Antônio Prado, sabe?
- Sei.
- E então, pode fazer a gentileza de abrir a porta pra mim fora do ponto?
- Vou quebrar o galho pro senhor, mas cuidado com os postes no meio das nuvens.

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