NOCAUTE

Sunday 13 February 2011

IDENTIDADES

Eu, subindo, ele, descendo, ambos devagar, ele menos, entre a Rua Teodureto Souto e a Avenida Lins de Vasconcelos, no Cambuci, quase centro de São Paulo. Ele acenou, eu correspondi, e me cumprimentou com a pergunta: e aí, Luís, tudo bem? Respondi por educação, embora certo de que ele me confundira com alguma outra pessoa. E foi só, antes de seguirmos perseguindo o destino previamente traçado. Em casa, comentei o episódio, indiferente ao provável equívoco. Noutro dia, a história se repetiu, enquanto caminhávamos em sentidos inversos, confirmando-se, portanto, que não houvera mal-entendido, pois ele insistira no Luís. Passei a pesquisar na internet para descobrir alguma semelhança com algum Luís da vida e nem precisei ir fundo, o cara só poderia ver na minha figura a do presidente Lula. Sou de Catende, cidade não muito distante das bandas de Garanhuns, região habitada por gente que reúne características encontradas em negros, índios e portugueses, entre outros. Esperei nova oportunidade para esclarecer o gajo que, embora honrado com a ilustre comparação, meu nome sempre foi José Roberto, engrossado por Barreto Silva. Surgiu a ocasião quando nos encontramos no ponto de ônibus, ele à espera do Pinheiros-Sacomã, eu, do Vila Monumento-República. Ele sorriu, ao me bispar, e comentou sobre o tempo.

- Ainda bem que saiu o sol!

Concordei e engrenamos um papo como velhos amigos de boteco e futebol, que não éramos, esclareço, antes de interpretações desencontradas.

- O vento levou as nuvens.
- Pra onde será que elas foram?
- Eu diria que Minas.
- Eles estão precisando de água.
- Não sabia.
- Você não vê televisão?
- Só desligada, em loja de conserto.
- A coisa lá está feia.
- Faz parte.
- É verdade, Luís, a humanidade parece que está levando a coisa para o fim.

Resolvi que aquele momento amigável era propício ao esclarecimento sobre minha identidade e tratei de colocar a salada em pratos limpos.

- Concordo com tudo que disse, apenas com uma ressalva...
- Sobre o desarranjo da natureza?
- Não, a respeito do meu nome de batismo, que é José Roberto e não Luis. Aliás, ainda não decifrei de onde você tirou esse Luís.
- Luís, brincadeira tem hora e não é quando meu ônibus está chegando.
- Eu não estou brincando.
- Luís, desculpa, mas tenho que ir.
- Ei...

Ele colocou o pé direito no primeiro degrau do micro-ônibus, o esquerdo no segundo e, antes do impulso definitivo na direção do sistema de liberação da catraca, com o bilhete único, olhou pra trás e sentenciou:

- Vamos combinar o seguinte: por enquanto, você continua como Luís, depois a gente discute o assunto. Ciao!

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