NOCAUTE

Monday 20 December 2010

JEJÉ MANJEDOURA

- Senhor, pelo amor ao Menino Jesus, poderia colaborar com 50 centavos para a independência de um legítimo representante das classes desassistidas?
- Nossa, o senhor usa uma linguagem desconcertante, eu diria mesmo incompatível com os seus andrajos.
- Sou do tempo em que a escola pública era superior à privada.
- Foi até onde?
- Concluí o que era chamado de clássico e parei na porta da faculdade de letras.
- Desistiu do vestibular?
- Nem lhe conto, trata-se de uma longa história.
- Conte-me, conte-me, hoje é antevéspera e já fiz todas as compras que imaginei.
- Muitos ‘gadgets’?
- Desculpe...
- Muitas novidades?
- Nem lhe conto.
- Conte-me, conte-me, tenho todo tempo do mundo e ouvidos carinhosos.
- Entre outras, comprei um celular, que só falta falar, pra minha netinha adorada.
- Que idade tem a princesa?
- Onze meses.
- E já sabe usar um aparelho como esse?
- Ela aprendeu a pronunciar vovô e vovó, agora vou ensinar a discar.
- Os jovens de hoje aprendem tudo numa rapidez meteórica.
- Muito inteligentes, como eles são impressionantes. Mas, voltemos ao começo, deve-me o primeiro capítulo.
- Tem razão. Pois naquela era, falo assim por causa da velocidade em que vivemos, pois bem, naquela era ia lá eu a me inscrever para o vestibular quando fui atropelado por um palhaço, montado em um camelo, que fazia propaganda de um circo que chegara à cidade. Lançado ao chão de paralelepípedos, eu bati com a caixa de pensamento no meio-fio e nunca mais me aprumei.
- Muito grave?
- Enfermaria durante um mês. Depois, a mente começou a capengar e muita gente passou a me considerar um desequilibrado, enfim, um louco, só porque, às vezes, quando o branco era carregado, eu berrava ser algum grande personagem da história. Contudo, ido o acesso, tudo voltava ao normal e a vida seguia. Com o tempo, sem necessidade de camelo, caí na sarjeta, voltando a ser uma pessoa normal, que sabe perfeitamente quem é e o que representa na sociedade.
- Uma história muito triste, pelo visto, ao mesmo tempo que muito linda, afinal, hoje o senhor está aqui como um homem são, perfeitamente integrado à nossa sociedade avançada.
- O senhor acha?
- Tenho certeza. Como é seu nome?
- Cristóvão, embora mais conhecido como Jejá Manjedoura, coisa pespegada por um engraçadinho quando eu me dizia outra pessoa.
- Engraçado, eu diria que seu apelido me faz lembrar d’alguma coisa exótica. Por que será? Bom, deixemos pra lá, preciso caminhar.
- Senhor, e os 50 centavos?
- Seu Jejé, peço-lhe perdão, estou sem troco, sabe como são os tempos modernos, a gente só anda com cartão de crédito, segurança, essas coisas...
- Sem problema, eu tenho a maquininha aqui. Sua bandeira é Visa, Master, American Express ou alguma outra?
- Mas, seria ridículo passar 50 centavos no crédito.
- Nem tanto, o real está quase tão valorizado quanto o dólar.
- Seu Jejé, vamos combinar o seguinte: amanhã é véspera, eu passo novamente por aqui e lhe dou os 50 centavos.
- Combinado, senhor, mas eu acho que o segundo capítulo merece, pelo menos, outros 50 centavos.
- Vou trazer 1 real, mas o último tem que ser bom, senão...
- Ai, meu Deus, o homem quer me crucificar!
- Ah, bem lembrado! Jejé Manjedoura, eu percebi o significado. Até amanhã e afie a língua, pois quero contar sua história pra família na noite de Natal. Vai ser um presente e tanto, além dos normais.
- Veja só, e por apenas 1 mísero real. Espero o senhor aqui, nesse mesmo ponto. Cuidado, quando for sacar o dinheiro no caixa eletrônico. Boa sorte e até amanhã.
- Não vá falhar, hein, amanhã, não aceito desculpas, hein, olhe lá, hein...

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